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Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

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Chocolate Jesus

pedro, 30.03.07

Parece que há um artista – e artista no sentido de cultivador das belas-artes e não no sentido “olha-me bem para aquele artista a tentar-se meter na nossa faixa agora que a dele está parada” – que exporá, algures durante a próxima semana, uma escultura de Jesus na cruz. A inovação consiste no facto deste Jesus ser feito de chocolate de leite, ter um metro e oitenta e não ter cobertura da cintura para baixo. E, quando se fala em cobertura, não é de chantily, amêndoa ralada ou bocadinhos de nozes. Ou aquelas bolinhas prateadas e muito duras que ninguém gosta. É “sem cobertura” como em “ter a pila e o rabo ao léu”. A escultura, como não podia deixar de ser, terá o sugestivo título de “My sweet lord” e as associações de cristãos já se fizeram ouvir, identificando a exposição como uma das maiores afrontas contra a sua sensibilidade. Não percebo bem de que se queixam estes senhores. Primeiro, pensei que fosse porque, sendo tudo aquilo em chocolate, alguém acabasse por ir comer Jesus. O que soa mal, mas só até nos lembrarmos que, na missa, todos os que comungam estão a ingerir o corpo de Deus. Se, na escala de super poderes, Deus é mais forte que Jesus, isto perde logo alguma força argumentativa. É que se ninguém se ofende por comerem Deus, reveste-se de alguma dinâmica parvinha o facto de se ofenderem por, hipoteticamente, se ir comer Jesus. De mais a mais, fosse o corpo de Deus que se dá nas missas feito de chocolate e os católicos praticantes seriam em bem maior número. Eu, com chocolate em vez daquela massa de trigo sem fermento que servem nas missas, iria lá bem mais vezes. Aliás, estaria lá sempre se dessem chocolate e se acabassem com aquele costume horrível de ter que cumprimentar as pessoas que estão ali nos nossos arrabaldes. Nunca percebi esse costume e, quando era mais novo, nunca conseguia pressentir que isso se aproximava. Aquilo vinha sempre do nada. Num segundo o padre estava a cantar ou a dar sermões e no outro já eu tinha duas velhas a lambuzarem-me a cara com baba e buços tipo velcro meio gasto. Nunca me conseguia safar dessa parte. Mas nem sei se ainda se faz isso. Agora, e voltando à indignação cristã face à estátua, só se aquilo ofende porque Jesus está nu. Só se é isso. Mas, em termos legais, também não vão longe com essa argumentação. Nas regras que Deus estabeleceu aqui há coisa de mais de mil anos e tal, não há nada sobre ocorrências deste género. Há, isso sim, coisas que os cristãos têm seguido à risca, destacando-se dos demais o célebre “Não matarás” ou o “Não roubarás”. Cristão a matar e a roubar nunca se viu, claro. Mas nada de “Pá, não esculpirás uma estátua do meu filho todo nu da cintura para baixo e em chocolate de leite”. Isso não vem no livro das regras. Mas isto pode ter um outro prisma, completamente distinto. A questão é que as regras foram escritas em tábuas de pedra e, Deus ou comum mortal, isso é tarefa para nos dar cabo dum pulso. Eu, formado oficiosamente em direito – vi algumas séries de advogados, inclusive uma nacional que dava na SIC quase de manhã –, acho que as associações de cristãos podiam pegar por aqui. Deus não escreveu a parte do “Pá, não esculpirás uma estátua do meu filho todo nu da cintura para baixo e em chocolate de leite” porque já estava todo apanhadinho do pulso e aquilo já lhe estava a chegar ao ombro. Sim, pela minha experiência em termos de tribunais e casos da mais variada índole, julgo que a defesa das organizações cristãs passará inteiramente pela suposição que Deus terá dito “Moisés, olha, ficam dez, pá, que já ‘tou cansado. O resto fica subentendido, vá. Queres boleia para baixo?”.

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