Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

Vai-te fechando, Sésamo

pedro, 23.06.06















Acima dos vinte e poucos anos, não há quem não se lembre da Rua Sésamo. Faz parte do nosso imaginário colectivo e essas coisas assim. Será, tal como milhentas outras séries, uma daquelas coisas que marcou a infância de muito boa gente. Mas, e aqui é que a porca torce o rabo, o feito de marcar a infância de alguém não é automaticamente sinónimo de qualidade e gabarito. Por exemplo, quer-me parecer que os cintos de fivela também marcaram a infância de muita gente, e se sair agora uma edição especial de cintos de fivela não é provável que um considerável magote de sujeitos vá a correr comprar aquilo. Nem há gente que, com um brilho nos olhos e voz nostálgica ou, por outra, com um entusiasmo aparvalhado, ande para aí a relembrar os cintos de fivela em conversas intermináveis. E isso acontece por uma razão muito simples. Os cintos de fivela lembram sovas, coças e surras. Coisas más. Também deixava marca, mas era daquelas que doíam. Infelizmente, a Rua Sésamo, em muitos dos seus aspectos, marcou da mesma forma que um cinto de fivela. Doía. E, por isso, deixou marca. Marcou infâncias, portanto.

Nunca fui grande fã de interacções humanos/bonecos. Haverá, como em tudo nesta vida, excepções, mas, à partida, não é coisa que me faça lamber os beiços ou dançar sapateado apetrechado de um chapéu de feltro e uma bengala daquelas só para o estilo. Ou é com bonecos ou com pessoas. Já bastava quando metiam aquelas histórias horríveis sobre pessoas a sério nos livros do Tio Patinhas. Na Rua Sésamo, isso dos humanos na paródia com bonecos era costumeiro. No rol das chamadas “pessoas”, tínhamos por exemplo o André e a Guiomar que, juntos, protagonizaram a relação de vai-não-vai com menos tensão sexual de que tenho memória. Ele, André, interpretado por um Vítor Norte ainda longe de sucessos esmagadores como “Cluedo” ou “Esquadra de Polícia”, mas já com aquela cara de “eu quero é deboche a toda a hora e em todo o lado, mas queria ter na mesma qualquer coisa de Luís Miguel Cintra para não parecer que estou é sempre a pensar em cowboyadas”. Ela, Alexandra Lencastre, novinha, e, inexplicavelmente, sempre enfarpelada com grossas e largueironas camisas de flanela, para além dos inconvenientes livros e pastas que transportava sempre junto ao peito. Ora, até ver, Alexandra Lencastre é sinónimo de mamas. Se, por qualquer camisa de flanela largueirona e monte de cadernos, não há qualquer vestígio de mamas, não vale a pena haver Alexandre Lencastre. Se era para isso, punham uma actriz a sério, uma daquelas que diz que a sua grande paixão é fazer teatro experimental daquele só com choradeira, berros e pessoas feias em pelota.

Foi, por isso, por não ter qualquer memória das mamas da Alexandra Lencastre na Rua Sésamo, que estranhei quando o Fernando Lopes, o realizador que, na altura, era produtor da série, disse numa entrevista que, certo dia, tinha chamado a Xana ao seu gabinete para lhe passar a seguinte novidade, e passo a citar de cabeça: “Alexandra, não te posso ter mais aqui. Não quero ter os putos todos a masturbarem-se por tua causa”. Não me parece que fosse um problema assim tão real ou frequente. Não há, por exemplo, comparação possível entre a Alexandra Lencastre da Rua Sésamo e a Alexandra Lencastre do genérico da “Ana e os sete”. É a eterna diferença entre uma camisa de flanela grossa e um varão de clube de strip. Seja como for, já todos sabemos o que o Fernando Lopes fazia durante e/ou logo após a Rua Sésamo. Também já sabemos como é que o Fernando Lopes interpretava os primeiros versos da canção de abertura da Rua Sésamo que, relembro, consistia num até aqui puro e virginal “vem brincar, traz um amigo teu”. E, sim senhoras, aqui fica uma bela imagem mental. Daquelas reconfortantes, para adormecer.

Ora bem, chateavam-me os humanos numa série de bonecos. E chateavam-me alguns bonecos ou algumas coisas de alguns bonecos. O Egas e o Becas tinham demasiado tempo d’antena. Junto com eles, o seu hábito de tomar banho juntos e lutar constantemente pelo usufruto de um patinho de borracha de cor amarelo deslavado. Além disso, Becas é nome de mulher, que eu bem sei. É diminutivo de Rebeca ou qualquer coisa assim. Porque é que não se chamavam Egas e Rui, por exemplo? A sonoridade era menor, mas, caramba, Rui sempre é nome de homem. Becas não. Depois, o Ferrão metia um bocado de medo. Vivia num lagar, mas nunca o víamos pisar uvas, e parecia um daqueles desperdícios de oficina ensopados em mousse de chocolate ou, quem sabe, até cocó. Mas, uma coisa é certa, de entre muita porcaria que deixou marca de cinto de fivela, a Rua Sésamo também tinha coisas boas e com a sua graça. E quem nunca chateava ninguém era o Monstro das Bolachas. Era um gajo unânime. Daí que, quando aqui há tempos se disse que na versão americana o descontrolado mostrengo iria dosear a sua eterna avidez de biscoitos e até começar a comer espargos e sopa de nabiças, muita gente tenha ficado estarrecida. Roubavam a essência, a alma, a uma das grandes personagens da Rua Sésamo. Aparentemente, alguém achou que o Monstro das Bolachas não dava um bom exemplo para as crianças e poderia estar a contribuir para o aumento dos casos de obesidade infantil. É óbvio que é chato haver muitos gordos de tenra idade. Ninguém quer que grasse por aí uma epidemia de gordos. Ainda criam um exército revoltado e depois é uma chatice, sobretudo porque eles são lentos mas aguentam muitos murros, como o Zangief do Street Fighter. Percebe-se então o problema. A proporção de gordos necessária a qualquer sociedade saudável é de um para quatro putos normais. Em cinco putos, um pode, e deve, ser gordo. Para ir à baliza. E o problema, na América, é que já se estão a atingir números alarmantes: em cada três crianças, uma é gorda. Isto significar que, nos Estados Unidos, é mesmo bastante provável que uma equipa de cinco miúdos tenha dois gordos. Dois guarda-redes. Uma tragédia. Era, está visto, urgente intervir.

Mas o cu nada tem a ver com as calças. E, antes de mais, deviam era agrafar às virilhas os testículos do gajo que encontrou uma relação entre ver o Monstro das Bolachas a enfardar e decidir começar a embuchar à maluca. Estas absurdas correspondências sempre me fizeram confusão. O exemplo mais comum é a da violência na televisão que provoca violência juvenil nas ruas. Com que então, há demasiada violência na TV e isso, ora bem, é que torna os jovens mais violentos? Faz perfeito sentido, faz. Mas, se assim é, tem que funcionar em todas as suas abrangências. E, vá lá ver, também há demasiado Manuel Luís Goucha na televisão, e, que se saiba, não é por isso que há para aí ranchos de adolescentes com fatos de cetim cor-de-rosa e camisas de seda com cores claras e leves a aterrorizar as ruas armados em galináceos. Com o Monstro das Bolachas passa-se o mesmo. Além de que, como toda a gente sabe, ele nem come as bolachas. Parte-as todas e faz um estardalhaço do caraças, mas não come nem uma. Os gordos que imitem o Monstro na perfeição e deixa logo de haver problema. Se não emagrecerem por não chegar a comer as bolachas, emagrecem a limpar o chão que ficou cheio de migalhas, que sempre é exercício físico. A questão central aqui passa por tornar claro que o velhinho Monstro das Bolachas nunca foi, nem será, um mau exemplo. Por amor de Deus, na Rua Sésamo até um vampiro para lá têm. Um que conta muito bem até dez, é certo, mas um vampiro. Os vampiros sorvem sangue. Mas, aparentemente, desde que não engorde, não há problema.

Na versão Sul-Africana, aconteceu uma coisa do género. Por lá, como se sabe, não há muitos putos morfologicamente perfeitos para ir à baliza, mas há outros problemas a aterrorizar a população. E, há pouco tempo, decidiram introduzir uma nova personagem: Kami, um boneco que tem sida e que mostra a todos como a condição de seropositivo não deve ser nenhum estigma. Tudo isto será, porventura, um bocado confuso. Não se pode comer bolachas, mas pode-se ter sida? Então agora os miúdos já não vão todos querer imitar a Kami e desatar para aí a apanhar sida em tudo quanto é canto? Coerência é o mínimo que se pode exigir ao moldador de carácter que a Rua Sésamo diz ser. Enfim, independentemente disso, e nada tendo contra a Kami, à partida também não sou apologista da introdução de novas personagens em séries já cimentadas e com uma considerável e fiel base de fãs. Se tinha mesmo que ser, deviam ter aproveitado para aplicar os novos conceitos às personagens já existentes. E, já que nos tiraram o Monstro das Bolachas como sempre o conhecemos e admirámos, ao menos enfiassem com a sida no Poupas, por exemplo. Um Poupas com sida era um Poupas mais suportável. Era um Poupas com a esperança de vida que sempre mereceu.

1 comentário

Comentar:

Mais

Comentar via SAPO Blogs

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.