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Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

Grandes Líderes (V): Pol Pot

pedro, 22.10.05






Da esquerda para a direita:
sério, na foto para o passe social e para o cartão das vacinas (1947), nostálgico, na reunião da tropa a recordar as desventuras do Antunes nas latrinas (1971); enojado, ao ver como um camarada conseguia desentupir a uretra com um arame (1983); e, finalmente, indignado, quando a jornalista da CNN lhe perguntou se era circuncidado (1997).

Pol Pot nasceu a 19 de Maio de 1925 e por cá andou a gastar ar e a ocupar espaço até ao dia 15 de Abril de 1998. O seu nome de baptismo era bastante dúbio. Saloth Sar, que é mais ou menos como eu imagino que um chinês diga os vocábulos portugueses ‘Serrote Sara’. Serrote é um nome porreiro e até no recreio da prisão impõe respeito e veicula temor, mas Sara é nome de mulher. Daí a dubiedade. Foi um estudante ridículo, tendo chumbado em todos os exames, inclusive numa TAC que fez um dia em que tinha estado a brincar com um parafuso perto da orelha e, como passado um bocado não sabia dele e lhe doía bastante a cabeça, achou melhor ir tirar as dúvidas no centro de saúde. Eventualmente, em 1949, lá conseguiu ganhar uma bolsa de estudo – ganhar no sentido ‘aquele ladrão ganhou aquela carteira que estava no bolso daquele senhor’ ou ‘o Benfica ganhou o campeonato’ – e lá foi ele para Paris, falar francês, cagar nas cuecas e não saber o que fez. Na verdade, foi estudar uma engenharia qualquer para mexer em rádios. Mas pode muito bem ter apanhado um cagaço no metro e só ter reparado nas consequências escatológicas do susto quando chegou a casa. Nesse caso, a versão censurada da lenga-lenga do Gato Maltês aplica-se perfeitamente. Durante a sua estada na cidade das luzes, que é Paris, dizem, Pol Pot converteu-se ao comunismo, e, mais tarde, voltou ao seu Cambodja, já um senhor na arte de sintonizar rádios e perito em dialéctica maoísta.

Regressado, meteu-se lá numas confusões por causa dumas partilhas e duns terrenos, e andou fugido da polícia secreta durante sete belos anos, temporada que aproveitou para juntar um exército com o propósito de derrubar quem quer que estivesse no poder. Não era nada de pessoal, portanto. O nome do seu esquadrão é que era bem porreiro, Khmer Vermelho, e as pessoas devem ter votado nele por causa disso. Isto, claro, se o Cambodja fosse a democracia que nunca foi. Acabou mesmo por ser à bordoada, e com o apoio dos chineses (apoio a sério, não é ficar a ver e a dizer ‘dá-lhe!’, ‘força, Pol!’ ou ‘cuidado, atrás de ti!’), que Pol Pot chegou a líder. E ia-se fazer história.

O regime de Pol Pot matou mais de dois milhões de pessoas, tendo, como alvos preferenciais, monges budistas, intelectuais que tivessem estudado no ocidente, pessoas com óculos e grupos étnicos, como pessoal do Laos e do Vietname. Imaginam esta proposta a ser apresentada lá nas reuniões do Pol Pot com os seus acessores ou aos seus compatriotas? “Temos que livrar o Cambodja de muito lixo! Espiões do Laos e do Vietname, intelectuais com formação no ocidente capitalista, monges budistas com a sua religião capitalista e… deixa cá ver quem mais... ah, sim, caixas de óculos!”. Convenhamos que deve ser complicado, para os gajos do Laos e para os vietnamitas, deixar de parecer que o são e, logo, pouco havia a fazer senão esperar pelo destino. Os monges budistas são uns espalhafatosos do caraças e aqueles vestidos cor-de-laranja eram o seu calcanhar de Aquiles. E toda a gente sabe como é que são os intelectuais, sempre a dar opiniões, a ler, a beber conhaque e a fumar charuto. Tudo alvos fáceis, portanto, sobretudo porque identificáveis e com poucas hipóteses de camuflagem. O que me faz confusão são os gajos com óculos. Deixar de parecer vietnamita é uma coisa. Despir aquele vestido fluorescente dos monges budistas é mais fácil, mas, ainda assim, lixado se tiver que ser de repente. Os intelectuais já se sabe que estavam lixados, essencialmente porque, para essa gente, não dar opiniões é como eu não atirar para longe o chinelo que está instalado no pé suspenso de outra pessoa que tem a perna cruzada. Gosto de fazer isso e não consigo evitar. Agora, qual é a dificuldade de deixar de parecer um gajo de óculos quando o exército do Pol Pot, que até é coisa para dar nas vistas, faz uma inspecção? Podia acontecer os gajos com óculos não verem o exército a aproximar-se, e quando dessem por ela, ‘ai, caraças, que já me lixei bem lixado!’. Mas os gajos com óculos usavam óculos, raios parta! Se não viam o exército, tirassem os óculos, porque, afinal de contas, não lhes parecia melhorar a capacidade visual por aí além! Se viam o exército, porque é que raio não tiravam os óculos, deixavam passar os executores, e depois metiam-nos outra vez para poder voltar a micar um cu em condições? Bem, em homenagem ao acossamento de que foram vítima os quatro-olhos cambojanos, a ONU decidiria, mais tarde, que 'não se batia em pessoas com óculos'.

A verdade é que estava criado um eficaz exército de indivíduos que odiavam pessoas com óculos, e acaba por ser o Vietname, o país dos maus do ‘Platoon’ – para além do Tom Berenguer, esse pulha que deixou o Williem Dafoe para trás –, a invadir o Cambodja e a expulsar os Khmers Vermelhos do poleiro. Isto em 1979, sendo que, durante 18 anos, até 1997, Pol conseguiu manter um exército de Khmers escondido na selva, à espera não se sabe bem de quê. Se calhar, os vietnamitas estavam a contar até trezentos mil biliões e só depois é que iriam atrás deles. É preso nesse mesmo ano de 97 e condenado a prisão domiciliária. Ficar de castigo em casa é lixado quando se tem 7 anos e está um dia radioso ou esteve a chover e temos uns botins novos para chafurdar nas poças e na lama, mas quando se tem mais de 70 e se matou dois milhões de pessoas, parece-me coisa pouca. Lá consegue fugir, não muito depressa, suponho eu, e acabou mesmo por morrer no meio da selva cambojana. Os poucos camaradas Khmers que ainda existiam queimaram o seu cadáver, e passo a reproduzir, 'só para ver se dava'.


N.B: Entretanto, complete a sua enciclopédia com os restantes quatro fascículos (têm todos um preço de lançamento porreiro, menos o primeiro):

Estaline
Hitler
Salazar
Kim Jong Il