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Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

Obliquamente é uma palavra que gosto de usar em conversas

pedro, 17.12.07


Da imensidão de coisas que, substancialmente, m’inquietam e me tornam no ser humano de excepcionalidade fascinante e exponencial que sou hoje, pode-se destacar a seguinte. Sendo curto e grosso, ao invés do habitual comprido e fino, convinha-me que se definisse já com que idade vou finalmente saber que raio de coisas deixam nódoa. Isto apoquenta-me por uma série de razões, nomeadamente o facto de eu m'alimentar como se tivesse acabado de receber uma valente anestesia nas bochechas e zonas circundantes, dinâmica que implica que várias substâncias alimentícias acabem por deixar a sua marca na minha camisola. É favor não se torcer já o nariz, que muita gente intelectualmente desenvolvida tem estas pequenas dificuldades de, chamemos-lhe assim, teor higiénico-cuidadoso. Aristóteles, por exemplo, nunca usou creme Nivea para nada e ninguém o respeita menos por isso. Acontece que, não raras vezes, dou por mim a escolher a cor da camisola com base naquilo que vou comer a seguir ou nos próximos dias. A título de exemplo, posso adiantar que tenho uma camisola que é tal e qual a cor do molho de sapateira. E umas cinco só para iogurtes com pedaços. E por aí. O problema acabam por ser os pratos multicolor ou pratos que, simplesmente, têm uma cor para a qual eu não tenho uma camisola de coloração sequer equivalente. Mais uma vez a título de exemplo, posso adiantar que não tenho nenhuma camisola cuja cor permita que um bocado de arroz doce passe dissimulado durante dias ou, aproximando-me mais da factualidade, semanas. Pese embora o facto de - e isto para além de conseguir tornar qualquer palavra num advérbio - eu ser espantosamente bom a fingir que não sabia que estava lá a nódoa [ou seja, entro num sítio e, quando me chamam a atenção para a nódoa no peito, fico muito admirado num sentido “ai que vergonha, palavra de honra que não estava assim quando sai de casa”], a verdade é que me dava jeito saber que raio de coisas deixam efectivamente nódoa. A única coisa que acho que deixa nódoa é o pêssego. Logo, quando como um pêssego, esforço-me herculeamente para não pingar na camisola, uma vez que sei que, posteriormente, não me bastará molhar com água da casa de banho a zona pingada de molho ou que for. Dá-me jeito balizar estas coisas porque, ao fim e ao cabo, não tenho vida nem pachorra para m’esforçar com todos os alimentos. Já faço isso com pêssegos. Deixo espaço, e reservo o esforço, para, enfim, mais meia dúzia de alimentos/pratos. A minha experiência de vida diz-me ao ouvido que, a exemplo de saber se vai fazer frio ou não, saber que coisas deixam nódoa é um bónus acompanhante da maternidade. Ser mãe, de momento, não me dá jeito por duas ordens de razões: primeira, é-me, parece-me, fisicamente impossível desovar; segunda, ainda não decidi que nome darei a um filho macho, se tiver a sorte de, num futuro próximo, ter alguém com quem dividir as culpas por o tampo da sanita estar urinalmente decorado. Presentemente, e como expus, o que me dava mesmo uma imensidão de jeito era saber que coisas, como o pêssego, deixam nódoa e que coisas, por exclusão de partes, não deixam nódoa. Já que se falou em fruta, assinaladamente pêssegos, gostaria de saber se ainda dá para apanhar escorbuto, uma vez que, bem vistas as coisas, há anos que não como laranjas e prezo muito as minhas gengivas não-hemorrágicas. Entretanto, faz-se Natal e eu, como acontece desde sempre, vou comer arroz com lombo na mesa dos pequenos, enquanto os grandes fingem que gostam de caras de bacalhau com couves. Às vezes, é tão bom ser eu.