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Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

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Corrença e pirexia

pedro, 20.07.06
Há dias apanhei um anúncio televisivo cuja frase inicial, aquela que deve prender logo o telespectador ao aparelho, rezava mais ou menos assim: “A diarreia ataca sempre nas piores alturas.” É preciso coragem para iniciar um anúncio com um vocábulo tão pouco consistente, mas as verdades têm que ser ditas. E sim, realmente é verídico. Quem nunca desabafou tal coisa em público, como que a dar o lamiré para o interessante debate que sempre se seguirá, que atire a primeira pedra. Eu, indivíduo com vasto conhecimento em todas as áreas que não implicam estudo ou formação, confirmo que sim, que a diarreia ataca sempre nas piores alturas. Também tem, claro, coisas boas. Sendo a mais flagrante o facto de, findo o ataque, nunca implicar o uso do piassaba nas cândidas paredes de louça da sanita. O autoclismo é sempre mais que suficiente. E isso é bastante porreiro. Mas, lá está, não há dúvida que a diarreia ataca sempre nas piores alturas. Partilha essa inconveniência temporal com muitas outras coisas. Levar com uma bigorna no dedo grande do pé. Uma tijoleira na cara também ataca sempre na pior altura. Sobretudo se estivermos de fato, até porque o barro cozido ainda deixa bastante pó quando se parte. E, como provavelmente o impacto ainda nos parte o nariz, é sempre aborrecido tirar uma mistura de sangue com pó de barro cozido do casaco. Outra coisa que ataca sempre na pior altura é ser raptado por um bando de leste, ver-se privado das maravilhas que é ter um par de rins e ser mantido numa arca cheia de papel celofane durante meia dúzia de meses. Não gosto do barulho daquilo. Rebolar em grandes quantidades de celofane pode parecer uma coisa fixe de se fazer, mas não é. Não se deixem enganar.

Ou, e que já se fala em coisas com péssimo timing, é sempre imperiosa a referência à corriqueira situação em que, estando nós postados na fila para pagar um serviço, alguém, que não olhou para nós durante todo aquele tempo de espera, se vira na nossa direcção no exacto momento em que estamos a palitar os dentes com a ponta do envelope onde temos a factura da TV Cabo. Porque, caraças, há bocados de bacalhau que não podem esperar por um palito! São muito incomodativos. Pior! Há bocados de bacalhau que parece que se camuflam quando há um palito e depois aparecem quando o acesso a palitos já está comprometido. São aqueles bocados de bacalhau que, uma vez retirados, nos fazem sentir uma espécie de renascimento. Parece que tomámos um daqueles banhos que correram mesmo bem. Daqueles em que não ficamos com espuma nos ouvidos e na cabeça. Mas, enfim, essa pessoa, a que nos apanha a palitar os dentes com o envelope da factura da TV Cabo, também olha para nós sempre na pior altura. É, nesse sentido, bastante como a diarreia.

Mas o que mais me impressionou neste anúncio foi uma outra particularidade. Parece que quando se avizinha o inoportuno ataque de diarreia basta, ao afectado, a ingestão de um comprimido. Algo está mal. Aqui há não muitos anos, para se medir a febre, havia quem recorresse a uma maravilha denominada – e poucos nomes são tão directos como este – termómetro rectal. Que eu saiba, a febre é na cabeça. Na testa, mais exactamente. Porque era lá que a minha mãe punha a mão para saber se eu estava febril. Se é na cabeça, porque é que raio existe um termómetro tão exclusivo? Não fazia sentido. Não faz. Quão perversa tem que ser uma ciência para estabelecer as relações diarreia/comprimido e febre/termómetro no cu? Muito, no mínimo. Uma ciência normal e altruísta desenvolveria produtos aplicáveis no cóccix apenas e só quando a área atingida fosse essa. Ou, vá lá, nos seus arrabaldes. Mas não. Parece que andam a gozar com as pessoas. Eu até confrontava o meu médico de família com tamanha contradição. Só que tenho medo que ele embezerre, murmure qualquer coisa, e, para tratar aftas, me receite meia dúzia de embalagens de supositórios. Já lá diz o adágio popular, “a doença é o celeiro do médico”.

Não sei o que isto quer dizer, mas queria acabar com um provérbio.

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