Capas que dificilmente serão piores que a música, mas é possível (III)
Freddie Gage é um padre Baptista. Não é ‘o’ padre baptista. Baptista não é o nome dele, é a sua fé, a sua seita. Gage é que é o nome dele. Aliás, até já tinha dito isso. Foi logo a primeira coisa que disse. Chamam-lhe ‘o profeta do submundo’. Um nome porreiro, à super-herói. Ou à vilão. Dá para as duas coisas. Fica bem em ambos os cenários. Pode-se ouvir um apelo desesperado como ‘A cidade está à mercê de um milionário mutante e só o Profeta do Submundo nos poderá salvar!’, ou um ‘Vou ter a minha vingança, Batman… ou não me chame eu ‘Profeta do Submundo!’ acompanhado de uma gargalhada maquiavélica
A capa mostra-nos que, muito antes das bandas com eyeliner e letras "oh, ninguém gosta de mim", já existiam bons discos para introspecções e para alimentar depressões. Freddie está agachado perante a lápide de um amigo. Levou o seu melhor fato branco, excepto as calças que estavam para lavar. O branco suja-se muito. Sobretudo nas perneiras. E Freddie, como bom padre que é, sempre deu colo a muita gente. Ainda conseguiu levar as suas botas de fada. Ou à Bee Gees. Seja lá o que for, parece ser o calçado mais adequado para pisar a relva de um cemitério. É uma coisa leve, mas ao mesmo tempo formal e respeitadora. Parece admirado com alguma coisa que está escrita na lápide. Costuma acontecer a quem deambula por cemitérios a ver se reconhece os nomes cravados na pedra. Também pode estar a fazer as contas para perceber com quantos anos é que este seu amigo morreu. Tem na mão um livro com uma capa vermelha. Com certeza, algum livro de feitiços que lê de trás para a frente enquanto mutila galinhas e gatos vadios. A editora é a ‘Rainbow’, ou, em bom português, a ‘Arco-Íris’. Um nome alegre, colorido e vivo.
Numa palavra, de maricas. A editora deve ter uma boa secção de Marketing. A sonoridade do disco é, claro, monótona e o tom moralista não disfarça a falta de instrumentos, ou, de uma forma mais directa, de música propriamente dita. Vai daí, a ‘Arco-Íris’ decide apelar ao sentimento das pessoas. A estratégia é velha e por de mais conhecida. O pirilampo mágico é foleiro. Há centenas de bonecos mais giros para pôr no tablier do carro ou no monitor do computador lá do trabalho. Mas as pessoas compram porque é para ajudar outras pessoas que precisam. Também não há uma única pessoa no planeta que goste sinceramente do ‘We are the World’ dos ‘USA for Africa’. Sejamos francos, por muita boa vontade que tenha havido, não é qualidade que os consumidores esperam de uma cantiga interpretada por todos os irmãos Jackson, o Lionel Ritchie, o Dan Aykroyd, o Stevie Wonder e o Al Jarreau. Tudo ao mesmo tempo, e, haja dó, durante mais de sete minutos! Só foi um sucesso porque as pessoas queriam ajudar África a matar a fome e as moscas. A verdade é que todos os amigos do senhor Freddie Gage já morreram. Todos! Sendo assim, o mínimo que podem fazer por ele é comprar o disco, seus ingratos a quem a vida corre bem.
Outras capas:
Heino
Richard & Willie